Carlos Arribas
Em Madri (Espanha)
Parece que só Alberto Contador ficou indiferente diante do anúncio da volta de Lance Armstrong ao ciclismo ativo."Para mim dá na mesma", disse o garoto da cidade de Pinto, na Espanha. "Estou concentrado em mim." E demonstrou isso dois dias depois, na subida do Angliru. O pessoal de sua equipe não ficou tão frio com a surpresa.
Nem o que se poderia chamar de mundinho do ciclismo, concentrado durante algumas semanas na Volta da Espanha, aos quais a notícia pegou fora do jogo. Os primeiros, os que o acompanharam em seus sete Tours.
"Sei o que você sabe", responde em um torpedo Johan Bruyneel a quem lhe pergunta o que ele pode acrescentar ao videoclipe em que Armstrong diz em seu site na web que quer ganhar o oitavo Tour.
No dia seguinte, ao sol de Calahorra, acrescenta "meus lábios estão selados" quando lhe perguntam se Armstrong lhe pediu um espaço no Astana para o Tour 2009. Bruyneel não fala, mas de seus silêncios, se não são tão falsos como tantas palavras, se pode deduzir que: a) não acha muita graça no retorno do homem que o transformou no diretor ciclístico mais invejado e que foi seu sócio econômico até um ano atrás; b) também não acha graça no momento escolhido pelo texano, enquanto sua equipe está mergulhada em plena campanha para ganhar a volta com Contador; c) que não está tão claro que se Armstrong voltar o fará com Bruyneel; d) que sua equipe de toda a vida duvida das possibilidades reais do retorno; e e) que nem seus mais íntimos na vida esportiva sabem muito bem por que quer voltar o corredor que se despediu do ciclismo há três anos invicto, do mais alto do pódio de seu sétimo Tour.
Armstrong prometeu que em 24 de setembro explicará como pensa organizar-se, mas por mais que fale seguramente deixará no ar a resposta para uma das perguntas mais importantes - por quê? - e só poderá aventurar hipóteses para responder a outra: em que nível?
Para as duas perguntas, as pessoas que o conhecem já aventuraram suas próprias respostas. Pedro Celaya, que foi o médico de sua equipe nos tempos do Motorola, antes do câncer que o fez mudar sua concepção de vida e que lhe permitiu transformar-se no campeão do Tour, elogia o sentido de show business do texano e, dada sua formação psiquiátrica, não hesita em avançar uma resposta freudiana do porquê. "Como ele saiu no mais alto, sem que ninguém o derrotasse, talvez se sinta incompleto. Lhe falta algo", explica. "É como aquele que não chorou a morte do pai. Volta por isso."
A invencibilidade no Tour permite que José Miguel Echávarri avance a teoria de que Armstrong sofre de maneira exacerbada da síndrome de Bahamontes, aquela que afeta todos os campeões do passado que continuam pensando que como seu tempo não há igual. "É bom que volte", diz o diretor dos cinco Tours de Indurain. "Então veremos seu lugar real. Será o primeiro ex que fará comparar sua sensação de ainda ser o melhor anos depois com a realidade."
"Mas Contador é Bahamontes e mais ainda, é Pantani, é o que você quiser, não se sabe o que é", adverte Celaya. "Não sei o que Armstrong poderia fazer diante dele na montanha..."A lógica verbalizada pelos velhos sábios do pelotão diz que, depois de três anos de ausência, quando Armstrong voltar estará 70% do que foi em 2005. "Mais que de idade, será preciso falar de treinamento", diz José González-Alonso, que depois de ter trabalhado com Bengt Saltin no Centro de Pesquisa Muscular de Copenhague, dirige um departamento na universidade britânica de Brunel.
"A deterioração física devido à idade é difícil de determinar, mas não há um estudo que indique deterioração fisiológica significativa em apenas três anos. Armstrong tem 37, e acredita-se que a partir dos 40 o consumo máximo de oxigênio [o parâmetro mais utilizado para determinar a capacidade física] diminui em média 5% na população normal. Talvez em casos de esportistas de elite como Armstrong seja de apenas 1%, nada que não se possa compensar com a experiência e a dosagem dos esforços."González-Alonso, que trabalhou no Colorado com Ed Coyle e esteve em algumas das provas de esforço às quais o fisiólogo submeteu Armstrong, acredita que um dos maiores mistérios é o da transformação de Armstrong depois de seu câncer em um corredor melhor que antes. "Na teoria, os efeitos do envelhecimento são pequenos comparados com os da falta de treinamento", diz. "O corpo reflete mudanças de até um dia sem treino. Há perda de massa muscular e também diminui a massa do coração. O ciclismo é um esporte que mobiliza muitos órgãos, e em três meses já se nota a falta de treino. A grande dúvida com Armstrong, de qualquer maneira, é saber se seu corpo será capaz de tolerar a progressão de cargas de treinamento que o espera. Se começar muito rápido, corre o perigo de se lesionar... e tudo partindo da base de que mentalmente está disposto a voltar a assumir os sacrifícios de seu esporte."
"Com efeito", diz Alejandro Lucía, fisiologista da Universidade Européia de Madri. "Não há estudos longitudinais de laboratório sobre os efeitos do destreinamento em longo prazo, mas no caso de Armstrong sua vida é o próprio estudo: ele foi capaz de voltar mais forte depois de dois anos de interrupção por doença. Em seu caso, não se pode considerar nada impossível."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves/Folha OnLine
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